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quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Em dias que não começam

 




Acordar não é um verbo que se conjuga fácil por aqui. O sol bate na janela como quem chama, mas eu não atendo. Meus olhos abrem, mas não enxergam propósito. Levantar da cama é como escalar uma montanha invisível — cada músculo pesa como se carregasse lembranças que não são minhas. E mesmo assim, eu tento. Tento porque ainda há um fio que me prende à ideia de continuar.

Respirar é outra batalha. Não é automático como dizem nos livros de biologia. É um esforço consciente, uma negociação com o ar. Inspiro, mas ele não chega inteiro. Expirar parece um adeus. E no meio disso tudo, meu coração bate lento, como se também estivesse cansado de fingir que está tudo bem. Bradicardia, dizem os médicos. Mas eu sei que é só tristeza em forma de pulsação.

A insônia é minha companheira mais fiel. Ela chega antes da noite, se instala no travesseiro, me conta histórias que eu não quero ouvir. Fico ali, deitada, encarando o teto como se ele fosse responder. Mas ele só devolve o silêncio. E eu penso, repenso, me perco. “I tried so hard and got so far, but in the end, it doesn’t even matter.” Essa frase ecoa como um mantra, como se alguém tivesse escrito minha alma em versos.

Tomar banho é um evento. Não por vaidade, mas por sobrevivência. A água escorre, mas não lava o que pesa. O corpo está ali, mas parece emprestado. Cada gesto é um esforço, cada passo é uma escolha. E mesmo quando consigo, não há alívio. Só o cansaço de ter vencido mais uma batalha invisível.

Às vezes, eu me olho no espelho e não reconheço quem está ali. Não é tristeza o que vejo — é ausência. Ausência de mim, de vontade, de cor. E ainda assim, eu existo. Mesmo que seja só por teimosia.

I had to fall to lose it all” — e eu caí, tantas vezes, mas continuo aqui, mesmo que aos pedaços. Porque talvez, só talvez, haja algo além do fim.

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