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quarta-feira, 30 de abril de 2025

Um dia de depressão

 




Eu tenho uma velha amiga, o nome dela é depressão.  Não consigo recordar quando nos conhecemos, mas sei que nossa amizade é de longa data. Sempre presente e até mesmo quando não nos víamos, ela dava sinais sutis de sua presença, como um lembrete constante que nunca iria me deixar.

No início eu não entendia. Não sabia seu nome. Não tínhamos sido formalmente apresentadas. Mas eu conseguia sentir que estavas ali, a espreita. A espera. Eu não sabia do quê, mas ao longo dos anos, eu entendi: Ela esperava apenas um deslize. Um breve momento em que eu desistiria. Ela esperava meu desespero.

Em meio as lágrimas e a dificuldade de respirar, ela falava comigo. Ela dizia que estava tudo bem desistir. Que ninguém ia se importar. Que era mais fácil acabar com tudo.  Eu escutava sua voz e de algum modo, eu sabia que ela estava certa. Realmente era mais fácil desistir.

Eu tenho uma velha amiga, o nome dela é depressão. Nós crescemos juntas e nos tornamos inseparáveis. Ela estava comigo em todas as minhas crises, nas minhas idas aos hospitais, nas minhas tentativas de apagar e parar de sentir. Ela nunca me abandonou. Sempre fiel e constante. Sempre alerta.

Nós sempre conversamos bastante. E mesmo em dias de silêncio completo, eu consigo escutar sua voz, em minha mente, ressoando. E em meio aos dias cheios de barulhos, eu escuto seus sussurros.

É assim que ela se comunica comigo, às vezes ela grita, para chamar minha atenção e às vezes, ela sussurra. Ela costuma sussurrar nos momentos em que me vê sorrindo, ou saindo com meus amigos. Eu acho que ela não quer me incomodar, mas ela não consegue deixar de me dizer, que, embora eu tenha novos amigos, ela continua sendo minha melhor amiga.

Eu tenho uma velha amiga, o nome dela é depressão. E às vezes ela me faz querer desaparecer.  Ela me faz querer nunca ter existido. Ela é tão convincente e auto confiante que mesmo quando ofereci remédios para ela, ela permaneceu.

Comecei com uma pequena dosagem, e não tão aos poucos, fui aumentando. Quando vi, eu já estava tão entorpecida que eu não sabia como gritar socorro. Mas eu fui socorrida. E ela, com toda sua gentileza, sentou naquela cama de hospital a longos 8 anos atrás e segurou minha mão e prometeu não me abandonar.

E ela cumpriu sua promessa.  Ela nunca me deixou. Em meio a vários cortes e cicatrizes, eu via seu rosto. Ela me desafiava, como quem diz “esse corte pode ser mais profundo, por que você não tenta?”  Ela sempre me disse que se eu tentasse, a dor pararia.

Ela sempre foi uma amiga cheia de argumentos.  Em situações diversas, quando me perguntam o que eu tinha, ela me questionava se não era mais fácil eu desistir, para não ter que explicar o que eu sentia. E devo dizer que parece ser mais fácil mesmo.

Mesmo agora, no momento em que escrevo estas palavras, eu não consigo descrever com exatidão como é um dia com essa amiga. Mas eu tentarei. Mesmo que eu ache que não existam palavras suficientes que consigam traduzir com exatidão.

Tudo começa quando eu abro os meus olhos, mas não se engane, mesmo quando estou com eles fechados e dormindo, eu sinto a presença dessa velha companheira.  Vocês já tiveram a sensação ao acordar, nos primeiros 10 segundos, que tudo está em paz? Como se tudo de ruim que te ocorreu fosse apenas um pesadelo? Eu consigo sentir isso, por 10 segundos. Breves 10 segundos aos quais me agarro, para conseguir aguentar o restante do tempo.

Passados esses 10 segundos, eu me dou conta da realidade. Eu preciso levantar, escovar os dentes, pentear os cabelos e começar a responder as pessoas e trabalhar.  E sabe o mais louco? A minha amiga depressão não quer que eu levante. De fato, ela me sugere que eu deveria continuar deitada e que não compensa eu sair dali. “E se você não for?” Ela me diz. Se você continuar deitada, eu posso te fazer companhia. E todos os dias, eu preciso convencer-me de que eu preciso sair do lugar. Essa é a primeira batalha.

Mas não acaba por aí. Quando levanto, e coloco um sorriso no rosto, ela, minha velha amiga, traz à tona uma de suas melhores habilidades: sua excelente memória. E ela me faz lembrar de todos os motivos que eu não tenho para sorrir.

E essas memórias ressoam tão alto na minha mente que eu só quero apaga-las, esquece-las, fingir que elas não existem. Mas elas gritam comigo. E eu não consigo descrever o caos que é, manter um sorriso, escutar essas vozes e ser produtiva.

De um lado, a vida me pede produtividade. Do outro, minha velha amiga convida-me a não fazer nada. E no meio de tudo isto, eu faço tantas e tantas coisas, como em uma tentativa de abafar todas as vozes que me estrangulam. E eu preciso lembrar de respirar.

Respirar dói.  Eu já falei sobre isso? Chega a ser curioso como algo que é involuntário, pode ser tão difícil às vezes. A sensação de aperto no peito, como se eu estivesse sendo esmagada pelo peso das minhas decisões. O simples fato de decidir continuar.

Eu preciso constantemente lembrar de respirar. Quando não consigo fazer isso, sinto vertigens, enjoo, sinto o espaço diminuir ao meu redor e me sinto claustrofóbica. E eu já que já sou pequena, me sinto minúscula.

Eu tenho uma velha amiga, o nome dela é depressão. E ela me faz me sentir diminuta. Sem valor. Inútil.  Descartável.  Alguma vez você já sentiu assim? Como um lixo que não pudesse ser reciclável? É desse jeito que a amiga depressão te faz sentir.

Eu já falei das crises de choro? Elas sempre vêm. Até a hora em que fica tudo vazio. E eu não dizer o que é pior: chorar ou a sensação de absoluto nada.  O nada me estagna, me petrifica.  Eu vejo a vida em movimento e mesmo fazendo um bilhão de coisas, é como se estivesse parada.

É isso que a depressão faz.  Ela te estaciona em um lugar ruim, um lugar em que você não consegue se locomover e quando você tenta, você é bombardeado de tantas emoções que você implode.  E é uma catástrofe.  Você colapsa. Mas o mundo continua a girar. A vida continua e entre os cacos de sua destruição você a ver: sua velha amiga, a depressão.

Sabe a promessa que ela te fez de não te deixar? Ela realmente não te abandona.  

A depressão é essa coisa que vai tirando pedacinho por pedacinho de você

Tira sua vontade de sair da cama, de ver o dia, de encontrar os amigos, de ir naquele encontro que há meses você marcou...

Ela joga seus sonhos na vala, e te faz acreditar que você não é bom o bastante pra eles.

Ela cria buracos no seu caminho justo quando você achou que estava indo bem, te faz cair neles e ainda por cima te faz acreditar que você é o responsável pela queda

Ela te faz acreditar que não merece um amor tranquilo e te faz se sentir insuficiente pra tudo e todos

Te faz duvidar do seu valor, da sua importância, das suas capacidades

E de repente, ela se torna você

E não há nada de poético, nada bonito nisso

Eu já perdi a capacidade de romantizar a dor pra não doer tanto. agora deixo doer, deixo sangrar.

Há dias que doem mais que outros, dias que o simples ato de respirar te pesa as costas

Que o medo assola sua aorta e espreme seus ossos. que a insegurança te visita em plena 15 horas da tarde, no meio do expediente e te faz duvidar de tudo.

Mas há também os dias amenos, onde a esperança me visita e me faz acreditar que ainda posso ser eu. Que ainda consigo ser boa, fazer as pessoas sorrirem, dar o meu melhor pro mundo (e pra mim). Mas não é uma luta fácil, quem está do lado de fora pouco entende da tormenta. Mas a vida segue, os dias passam, e continuar aqui mesmo contra todas as circunstâncias que te fazem querer não existir é lindo. E nisso sim há poesia. Sobreviver é corajoso. Lutar contra a depressão é um trabalho de tempo integral. Se deixar ela te levar um diazinho, quando tu vê, passou 6 meses.

Eu tenho uma velha  amiga, o nome dela é depressão.

 

 

 

 

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