Talvez em uma tarde ensolarada de sábado vocês olhem pro parque onde as crianças brincam e os idosos caminham e não vejam saída ou expectativa e então lembrem-se de mim. Talvez mais tarde no mesmo dia vocês sintam seu peito queimar, um desejo imenso de desaparecer, por milhares de motivos e ao mesmo tempo, sem conseguir justificar sua angústia. Foi assim que começou pra mim também. É como se ninguém pudesse te ver ou ouvir, mesmo que você grite no meio de uma multidão, entendem? Provavelmente não. Não até se sentirem assim ou pelo menos farejarem a morte como eu farejo tantas vezes durante todos os dias dos últimos 15 anos da minha vida. Um tremor aqui, um suador ali, tristeza injustificada num dia aleatório em que tudo está bem, enjoo e vômitos que os médicos não conseguem explicar e seus amigos dizem que é tudo da sua cabeça, até seu primeiro desmaio. Lembro de estar no banheiro do trabalho, com dores fortes na cabeça e suor incontrolável, no momento seguinte, me vi sendo furada no hospital, no fundo a enfermeira dizia “ela está reagindo!” “tenha calma, menina!” como se fosse algo que eu pudesse controlar. Por fim, veio a depressão.
Ela começa discreta, tira seu sono ou te deixa muito cansado, você quer sair de casa mas não tem força pra levantar da cama, as pessoas, por mais próximas que estejam, sempre parece que não é suficiente. Porque na verdade, nada é. Você se sente abandonada, deprimida, inútil. Seus sorrisos passam a ser mais raros ou forçados, conforme o tempo passa, sua esperança de ficar melhor vai indo embora. Ouvia essas histórias de suicidas e pensava no absurdo que era, na tristeza que deviam sentir por chegarem ao ponto de cogitar deixar de existir, mas querem saber? Um dia você entende. E se esse dia chegou pra você, te aconselho a procurar ajuda e principalmente, começar a se ajudar, porque você está quase tão fundo quanto eu. Pra mim, começou com um questionamento: “o que seria do mundo sem mim?” “qual diferença eu faço aqui, se ninguém se importa de verdade?” e o problema é que se você não compartilha essas perguntas com outras pessoas, ninguém vem do nada te dizer que você é especial e importante, então você começa a acreditar mais ainda que não é, que não vai fazer falta. Fato é que em uma sexta quente, depois da aula, entrei em crise e não conseguia sair. Escureceu, chegou a madrugada e eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser sumir. Sabe quando parece que a alma grita querendo sair? Quando você se vê sem outra saída? Quando parece que nada mais pode melhorar ou sequer sair do lugar? Só queria por fim nisso. Só pensava em deixar minha família em paz, não preocupá-los mais.
E foi assim que parei na emergência , com os rins paralisados e uma parada cardíaca, depois de muitas caixas de Rivotril. Eu tive que parar de tomar os remédios que eram receitados, pois eu não conseguia tomar só um. Assim que parei com os remédios, dei inicio ao tratamento com a psicóloga, que foi me ensinando a lidar com a ansiedade e “não dar espaço” pra depressão. Mas frequentemente a tristeza ainda vem e me abraça com força, não me dando muitas opções a não ser me entregar. Noutras, apesar da vida caminhando e estável, desejava ser atropelada ou que alguma coisa simplesmente me levasse embora daqui. A sensação que tenho no fundo do meu peito quando falo sobre isso até hoje é que nunca vou estar totalmente liberta dessa agonia, mas entendi que não preciso me entregar com tanta facilidade. A luta é difícil, diária, pesada, às vezes cansativa, às vezes eu perco contra mim mesma, meus próprios pensamentos que são tão destrutivos. Hoje,9 meses depois de ter me instalado nesse apartamento, vejo que há esperança. Até para mim. Têm dias que parece que ela morreu. É como uma vela acesa, vocês conseguem entender? Às vezes venta demais e ela quase que se apaga, mas basta uma faísca para que se reacenda. Esse texto é destinado à todos vocês que um dia prometi que ficaria bem.É pra dizer à vocês que apesar da ausência, dos sustos, eu finalmente posso dizer que estou conseguindo. Estou vivendo, sabe? Ou pelo menos, tentando. Não posso dizer que vai durar pra sempre, talvez dure uma semana, um ano, mas nesse momento, o momento em que lhes escrevo, posso lhes garantir que estou viva. Sinto meu sangue correr pelas minhas veias, vontade de me levantar pra ir trabalhar, ir ao mercado. Hoje eu me olho no espelho e consigo enxergar um pouco do que vocês diziam sobre mim, acho que consegui me reencontrar no meio de tantos pensamentos ruins, porque realmente estava completamente perdida ali.
Sou grata por cada vez que tentaram, por todas as vezes que me pediram, imploraram para não desistir. Agradeço a cada um de vocês por terem mantido sua fé em mim mesmo quando não mereci. No começo deste texto eu disse que talvez alguns de vocês só entendessem isso se um dia passassem por algo parecido, como foi meu caso, mas nunca desejaria à vocês algo assim. Eu apenas lhes desejo empatia, em primeiro lugar, para que saibam lidar com uma situação delicada como a que vivi, para que saibam conviver e entender seus filhos, namoradas, amigos, para que possam protegê-los e ver que ninguém está imune à isso, nem mesmo a pessoa mais religiosa ou feliz do mundo.

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