Subi o mais alto que pude e sentei à beira do abismo, segurei as pernas, como um criança que chora. Uma criança que morre de medo e chora. Mas que depois de um tempo, soluçando e não querendo cair, e não querendo desequilibrar... Olhando daqui, a vista lá embaixo parecer ser bonita. A criança agora, só soluçava o fim do desespero.
- É por isso que você vive aqui?
- Vivo aqui por muitos "issos".
- Mas a paisagem digo, ela parece te manter aqui.
- Ela me mantêm firme.
- Firme para que?
- Não cair. Não te dá vontade de chegar até ela?
Eu queria muito descrever a imensa vista, o local- tão alto e traiçoeiro... Se você debruçasse mais um pouco - porque certamente deslumbrado você o faria: era queda ao encontro do surrealismo da paisagem. Mas eu não podia cair, eu tinha medo de olhar muito e cair.. Então só por debaixo dos braços, encostava o rosto na perna e devagar analisava, e a criança já não chorava mais; até sorria um pouco com aquela adrenalina toda.
- Eu tenho medo.
- Medo de olhar?
- Não, de cair... Tu acha que eu caio?
- Acho que você se joga.
- Eu não vou me jogar.
- Eu vou.
Tinham muitas pessoas lá embaixo, de onde vim. Elas também apareciam na paisagem; bem pequenas, quase pontos e cheia de cores. Pareciam até doces e a criança agora já ficava de pé e brincava de se jogar, segurando-se apenas com os dedos dos pés no parapeito acabado, sujo e enlodado de tantas chuvas sem nenhuma proteção, teus dedos acabaram ficando sujos também. Aquela altura, era difícil decifrar teu tamanho, tua insanidade e o que me transmitia no meio daquela sujeira. Do pó em teus pés enlameados, dos amarelados que agora seguravam meu braço me permitindo estar de pé também.
- Vai vir comigo?
- Não gosto de alturas.
- Você já subiu até aqui, como vai descer?
- Acho que vou ficar aqui, só admirando.
- Que nem eu? Isso é loucura, vem logo. Depois o medo passa.
- Como você sabe? Você nunca se jogou.
- Eu me jogo sempre.
- Como assim "se joga sempre"? Você está do meu lado agora, você está viva.
- Mas você já não encontrou comigo lá embaixo?
- Não compreendo.
- Não compreenda, lá é lindo não é?
Então olhei mais um pouco ao redor do meu abismo, prendi os pés no parapeito e segurei amareladamente os dedos que antes apertavam meu braço, virei o pó que pisava, a lama que me afundava enquanto tinha sentado na beira. Peguei os doces e coragem - eu precisava dela mais que o suficiente, ela que agora me olhava firme, já estava em mim. A criança que pulava corda, também deu as mãos pequenas e de unhas sujas.. E foi a primeira a puxar o início da queda. E me joguei, olhando primeiramente para o lado querendo saber onde ela estava. Tinha ficado lá encima ou dentro de mim?
- Não é lindo cair com você?
Caímos em uma perfeita sincronia. Onde eu caia me abraçando cada vez mais forte, olhando para o abismo, em direção ao abismo e pronta para subir novamente. Escalar dentro de mim todo o percurso difícil que é estar bem alto, para morrer de medo do que sou e amar a sujeira de dentro de mim, amar o lodo, o limbo. E ir de encontro a uma nova limpeza, ao percusso mais complicado... A queda que já estou indo, já estou indo.
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