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quarta-feira, 23 de abril de 2025

A morte já falou com você?

 




A morte já falou com você? Não sei precisar quando a morte começou a fazer falar comigo, mas nos últimos meses ela tem se feito mais presente. Eu sempre penso em escrever sobre, e na correria do dia a dia eu adio. Me sinto sem tempo agora, e nem estou falando sobre a quantidade infinita de afazeres a serem feitos. Sinto que me falta tempo de vida. Que a qualquer momento, não estarei mais aqui e que não terei tempo de me despedir das pessoas que gosto.

Vocês já tiveram essa sensação? De olhar para as coisas e sentir que é a última vez que você está fazendo aquilo? Que se você pudesse, você congelaria aquele raro momento em que você está feliz? Muitas vezes me encontro em momentos assim, em que meus olhos se enchem de lágrimas, em meio a uma pequena felicidade pois sei que ela vai evaporar, sumir, tal como eu irei, quando eu partir.

Vocês já pensaram como vão descrever você quando você partir? Eu às vezes penso isso. “Era tão inteligente, mas meio esquisita”. Será que é uma frase que usariam para mim? Não sei as outras pessoas, mas eu me sinto meio esquisita agora, enquanto choro e lamento por coisas que eu não viver e como você consegue sentir saudades de algo que você nem chegou a conhecer? Não sei explicar, mas isso me angustia.

Eu não vivi o tempo suficiente para conhecer todas as pessoas que eu queria conhecer, viajar para todos os lugares que eu queria viajar, participar de todos os projetos sociais que eu gostaria de participar.  Não escrevi todos os textos que eu gostaria de escrever, não fui mãe de Sofia, eu sequer conseguir visitar um jardim de girassóis. Não li todos os livros que gostaria de ter lido, nem escutei todas as músicas que estavam salvas nas minhas playlists, que um dia eu coloquei pensando “qualquer dia eu escuto”, enquanto dava play nas minhas músicas mais escutadas em 2020. Eu não fiz aquela sobremesa que eu salvei a receita, e que eu sempre disse que queria provar.  Eu não me matriculei na natação, sempre adiei perder o meu medo de nadar, porque lá no fundo, eu não acho que consiga aprender e não quero fracassar em mais uma coisa na minha vida.

Eu não voltei a lecionar. Eu lembro quando fazia graduação em História e dizia que queria ser professora. E fui por muito tempo. E de repente, eu senti que eu não era a professora que eu gostaria de ser, alguém que inspiraria meus alunos e os faria ter o mesmo sentimento que eu tinha quando assistia as aulas do meu professor favorito.

Eu não fiz rapel. Toda semana eu colocava na minha lista de atividades a serem feitas, praticar rapel, embora eu morra de medo de altura. Eu sempre pensei que uma boa forma de viver a vida é confrontando os nossos medos, e, cá entre nós, eu posso não ter feito rapel, mas eu já encarei vários abismos.

Eu nunca mais visitei uma cachoeira, desde o dia em que eu vi a notícia que uma médica foi atacada por uma cobra, em uma queda ‘d’água e eu pensei na época: Está aí uma coisa que aconteceria comigo. Eu nunca fui a um parque aquático, mas também estava na minha lista de coisas a fazer. Assim como visitar mais museus e cidades históricas.

Eu nunca morei em Ouro Preto. De todas as cidades que já visitei, sempre achei a mais charmosa e bucólica. Gostaria de ter ido morar lá. Gostaria de ter tido tempo de visitar mais cafés, mais livrarias e ido mais vezes ao cinema.

Eu gostaria de ter ido mais vezes a minha sorveteria favorita e saboreado meu sorvete favorito, ou pedido mais vezes pizza de quatro queijos, mesmo com todo mundo dizendo que é um desperdício pedir pizza de queijo, pois todas vem com queijo. Queria ter tomado açaí mais vezes e feito mais vezes a piada sem graça de “Não entendo quem diz que tem gosto de terra, que terra é essa que vocês estão comendo?” Queria ter comido mais esfirras de doce de leite, sem me importar que ela é a mais cara de todas. Gostaria de ter saboreado mais vezes strogonoff de frango com Fanta uva. Como assim meu prato favorito e minha bebida favorita não foram as coisas que eu mais degustei enquanto estava viva?

Para você ver... Já tentou colocar no papel a quantidade de coisas que você gosta e que deixou de fazer em algum momento? Ou a quantidade de coisas que você gostaria de experimentar viver e que, por algum motivo, você não viveu?

Você tem vivido? Ou sua vida tem sido uma sequência de dias em que você está no automático?  Eu espero que você consiga viver e não apenas existir. Eu espero que você consiga sobreviver a todos os seus traumas e medos e que você não deixe que isso te defina.

Eu espero que você veja seu time favorito ganhar e que você gargalhe com algo idiota que te faz feliz, sem se preocupar que as pessoas achem que você sorri de forma estranha.

Eu espero que você não ligue para as críticas, aquelas críticas de pessoas que não te conhecem, mas que amam julgar o jeito alheio. Mas eu também espero que você ouça as críticas que e fazem crescer, que te fazem melhorar, que te aprimoram naquilo em que você tem domínio, mas pode fazer melhor, pois se você não souber ouvir críticas, você não vai conseguir evoluir. Desejo que você não seja tão reativo com o que escuta, mas que tire o melhor de cada situação.

Eu espero que você não se sinta um fracasso. Acho que isso talvez, seja a coisa que eu deseje mais: Não sinta que era melhor não ter nascido. Você não é um fracasso, e sempre que estiver triste, com desânimo e deixando a depressão te consumir, eu espero que possa ter alguém ao seu lado, te dizendo o quanto você é forte e vitoriosa, mesmo que não se sinta assim.

Eu não me sinto assim. Passei metade da minha vida me sentindo triste e a outra metade fingindo estar bem. Espero que você não precise fazer isso, e que você procure ajuda quando sentir que não aguenta mais seus fardos. Você não precisa carrega-los de forma solitária.

A morte já falou com você? Ela tem falado bastante comigo. A vejo em meus pesadelos constantes, sussurrando e as vezes, até gritando. As vezes sinto ela me consumindo, enquanto eu tento me recuperar e me agarrar a um fiapo de vida.

Sabe quando eu disse que eu sentia que não teria tempo de me despedir? Essa é a minha despedida.

Eu sinto muito não ter tido tempo de ser uma pessoa melhor, eu sinto muito por não ter tido tempo suficiente para me desculpar com quem eu magoei. Eu sinto muito, por não ter sido mais gentil, mais generosa, mais empática e por não ter dito as pessoas que eu amo, o quanto eu as amo.

Eu sinto muito que meus pais precisem passar por todos os trâmites legais que uma morte envolve. Morrer é muito burocrático, e vou ter que deixar mais uma vez registrado: sou doadora de órgãos, que eu consiga salvar a vida de alguém, já que não consegui salvar a minha.

Eu sinto muito. Tanto. Por tudo.

A morte já falou com você? Ela sempre fala comigo. Flertamos tanto ao longo da minha vida e mesmo assim, não me sinto pronta para nossa última dança. A verdade é que nunca soube dançar.  Eu sempre errei todos os passos e nunca fui boa com ritmos e coreografias.

Nunca fui boa em pontos finais. Sempre estive ali, mais para reticências, tanto que nem sei como finalizar isso aqui. Mas sei que no meu fim, eu espero azuis e girassóis.

A morte já falou com você? Ela sempre fala comigo. Obrigada a todos que falaram mais alto que ela e me permitiram chegar até aqui. Não se sintam culpados. Não há culpa. Meu coração apenas parou de bater. Espero que saibam que a cada batida que ele deu, mesmo como todas suas batidas irregulares, foram tentativas de ser alguém melhor.  Desculpem não ter conseguido. Sejam felizes.  Sejam tristes, pois a tristeza é também necessária. Mas prossigam. Que a vida de vocês não seja uma lista com coisas que vocês gostariam de ter feito. Vivam.

Eu espero azuis e girassóis. Adeus.

 


 

 

 

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