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sábado, 31 de outubro de 2020

Uma janela bem no meio do seu desespero



 Bem.  Eu estava sorrindo. Com certeza algo muito banal para muitos, mas para mim que nas últimas semanas só conhecia a tristeza aquilo era um milagre. Confesso que a felicidade me dá medo. Que sempre espero que em seguida venha algo de muito ruim, pois invariavelmente sempre isso acontece. Mas preciso tanto acreditar que as coisas podem ser diferentes. "Acreditar em esperança é abrir uma janela bem no meio do seu desespero."


E eu estava tão desesperada. Assim como já estive várias vezes. Você acreditaria se eu te dissesse que essa foi a pior de todas?  Eu sentia felicidade lá. Sentia que estava me libertando. Sentia paz. Agora o que eu sentia era uma angústia que fazia doer profundamente. Eu mal conseguia respirar, doía até o menor movimento. E eu chorava. Chorava tanto. Mas parecia não transbordar meus sentimentos. Eu apenas queria que parasse de doer. Até mesmo implorava que as dores físicas fossem maiores e me fizessem esquecer o que eu sentia. Se existe inferno eu estive nele ou em algo bem semelhante a ele. 

 Eu senti o gosto da morte recentemente. Não fiz listas  do que gostaria de fazer, não fiz contagens, não fiz planos. Apenas me despedi silenciosamente. Passei as últimas horas escrevendo. Escrevi e Escrevi. Despedi-me sutilmente de algumas pessoas  E eu apenas sorri e deitei. Esperei que os remédios fizessem efeito. Mandei uma mensagem de texto, falei com um amigo que nem reconheci ao telefone e em algum ponto eu adormeci . E acordei com o gosto de morte na boca ,no estômago, no coração . Eu pensei que havia chegado o fim. E no fim eu não pensei em ninguém. Não conseguia pensar em nada . Apaguei . 
De um modo, ou de outro eu consegui sobreviver. Como marca um estômago hiper-sensível  e confesso que frustração. 
Na minha mente vem a imagem de sonda, de dor e não consigo entender como faço isso comigo. E o pior: eu sei que sou capaz de fazer novamente. E não compreendo. 

Releio trechos do meu diário  “Ela não devia estar chorando. Seu nome deveria lembrar o quanto ela era vitoriosa, afinal sobrevivera seus três primeiros meses de vida praticamente sozinha, sua mãe biológica não se lembrava de alimentá-la por estar muito drogada para pensar em algo que não fosse conseguir mais droga. E em meio à imundície e a eventual visita de um tio morto a tiros ela havia escapado. Um milagre. Comentam. Você tinha lindos olhinhos azuis e no momento em que eu te vi quis você pra mim, disse a irmã dela. E assim ela foi parar em sua nova casa. E de ratinho passou a se chamar Victória: aquela que vence.”

 Mas nunca me senti vitoriosa realmente.  E tenho que suportar os dias. Mas aí quase desisto de tudo, quase ignoro tudo, quase consigo, sem nenhuma ansiedade, terminar o dia tendo a certeza de que é só mais um dia com um restinho de quase e que um restinho de quase, uma hora, se Deus quiser, vira nada. Mas não vira nada nunca.
Você pode entender? 
 Hoje é a primeira vez que realmente sorrio depois de ter dito “Bem”. Estar viva não necessariamente significa que estou bem, mas apenas por hoje, me sinto bem.
Tenho "algumas coisas" a fazer nos próximos meses. No topo delas está cuidar de minha saúde, dedicar-me a História, a licenciatura, a ajudar pessoas que necessitam de ajuda e principalmente ajudar a mim mesma. 
Quero não sentir nada. Como será que é sentir e gostar da vida pela sua calmaria e banalidade? Como será que é viver a banalidade sem achar que isso é banal? Eu pretendo descobrir. 
Quero viver minha vida seguindo um roteiro que não é o drama. Eu não quero morrer. Mesmo que depois a dor venha e me faça achar isso. Eu, lúcida agora que estou digo: Não quero morrer. Quero ser capaz de olhar para minha tristeza  e não me sentir pequena
Para finalizar, digo: Gosto de viver. “Algumas vezes me sinto muito, desesperadamente, loucamente miserável, atormentada pela aflição, mas mesmo diante disso tudo eu compreendo que estar viva é uma coisa grandiosa.” Agatha Christie



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